Essa pergunta foi feita a mim (não exatamente com essas palavras). Mas acabei por deixar de fora aspectos estéticos, o que me demandaria uma discussão mais longa sobre o conceito de beleza (o que é realmente belo? A beleza está nos olhos de quem vê?). Nesse sentido, esse texto conta com a boa vontade de quem lê e a liberdade opinativa que me dou nos textos aqui postados.
Imaginei que na cabeça de quem fez a pergunta a seguinte reflexão: “Paris é uma cidade tão bacana… Roma, então, nem se fala! E a cidade de Nova York? E os monumentos de Niemeyer em Brasília? Por que nossas cidades não podem ser assim? ” Há uma infinidade de respostas a essas questões que uma tese seria pouco. Mas, humildemente, enumero alguns pontos para discussão.
1-O conceito do que é belo, no início desse século XX, se torna algo menos objetivo e mais subjetivo. A arte já não conta tanto com a técnica para ser a balizadora, o que separaria o “bonito” do “feio”. Marcel Duchamps questiona a arte colocando um urinol em um museu e faz a pergunta: “o que é arte? ” Andy Warhol tem como uma de suas obras mais famosas um quadro com a reprodução de uma lata de sopa que é possível ser encontrada em qualquer supermercado americano. Em quadros que mais parecem emaranhados de linhas de tricôs de diferentes cores, Jackson Pollock expõe seu expressionismo abstrato. A consequência disso tudo? A recorrência de filmes, séries, artigos e até novelas que fazem sátira da situação inusitada de não sabermos mais o que é ou não belo. Na novela “Caras e Bocas”, a história principal é sobre um artista plástico que “toma emprestada” telas feitas por um macaco, encontrando sua chance de redenção à crítica.
Acima, “Fonte”(Duchamps), “Number One”(Pollock) e “Campbell’s Soup I”(Warhol)
2-No mesmo raciocínio, o mundo arquitetônico teve rumo parecido. Fazia todo sentido, no início do século XX, que o surgimento das novas invenções humanas – como os navios, os aviões, as locomotivas, os carros – fossem os perfeitos objetos para a redenção da humanidade. Le Corbusier, o arquiteto mais icônico de todos os tempos, escreve um livro recheado desses novos objetos. Somente uma arquitetura é lembrada em seus escritos: acrópole de Atenas, datada de 450 a.C. Depois da “apologia às máquinas”, a década de 1960 partiu, então, para se retratar ao ver que essa fé era infundada e que a história (ou seja, o que era feito antes da revolução tecnológica) fosse resgatado. Soma-se a isso, a ideia de que expressões e linguagens diferentes eram necessárias para um discurso do belo. Hoje, arquitetos com estéticas tão diferentes, com Frank Gehry, Rem Koolhaas ou Tadao Ando tem seu espaço na vanguarda arquitetônica.
Acima, The Rasing Building (Gehry), Vitra Seminar House (Ando) e De Rotterdam complex (Koolhaas)
Vamos analisar nos exemplos que dei anteriormente. Pouquíssimas pessoas no mundo irão dizer que a cidade de Paris não é bela. Ou mesmo Roma (e outras cidades italianas), com sua exuberância e sua referência à arquitetura renascentista. Sobre Brasília, você pode dizer que ela “não deu certo”, mas não se pode negar que os edifícios esculturais e a relação ordenada desses objetos sejam banais. Nova York talvez seja o mais caótico exemplo de algo belo e o que suscite maiores discussões sobre sua beleza, mas sua representatividade como metrópole e seus arranha-céus como representação da ocupação humana sobre a natureza não podem ser ignorados.
Podemos dizer que é possível fazer uma comparação com a produção de arquiteturas em nossas cidades. Não há leis que permitam o “feio” porque não há como classificá-lo. E, por mais que se concorde ou discorde, isso deixou de ser importante. Talvez essa seja uma das coisas que mais inquiete estudantes e que mais rápidos nós, profissionais, nos resignamos a aceitar. Mas, e se formos para uma discussão mais profunda? Conseguiria algum arquiteto ter a liberdade que temos hoje de fazer uma edificação em Paris sem pensar que sua obra, por mais extraordinária que seja, esbarre nas críticas e na regularidade tão rígida que é sua historicidade, sua alma?
Algumas coisas são factuais: são poucos os arquitetos que realmente produzem o espaço das cidades. Construir já não é mais privilégio de nossa profissão. E a legislação, cada vez mais, engessa as possíveis boas propostas, em um discurso que prega evitar desastrosos desrespeitos à salubridade e a ocupação desordenada. Verdade é que, nas cidades brasileiras, a legislação não é fator de proibição de insalubridade e desordem que temos. O fato é que discutir a “beleza” se tornou supérfluo. Mas iniciativas como a “Lei Cidade Limpa”, de 2007, nos mostrou que a “feiura” faz mal às cidades.
Acima, imagens de São Paulo, antes e depois da “Lei Cidade Limpa”
A “beleza fundamental” eu deixo para os versos de Vinícius de Morais. Mas o cuidado com as cidades trago para nossa reflexão. Ordem, proporção, relação com a natureza, com edificações vizinhas, impacto visual, ritmo e visibilidade devem sempre direcionar, mesmo que minimamente, o discurso das cidades. Ou cada vez mais nos esconderemos em nossas cavernas, bunkers, baias de empresa, cafés com música ambiente…ou só sairemos a noite, pois olhar para o que está ao nosso redor será intolerável.
6 comentários em ““Por que nossas cidades são tão…feias?””
Oi querido! Provocadora a sua questão… Minha sugestão é, numa próxima oportunidade, abordar a questão do Belo na perspectiva de Mikel Dufrenne, que associa Estética e Filosofia. O debate que ele propõe sobre experiência estética, acredito, é bastante completo por tratar tanto de “atitudes críticas” e “atitudes sentimentais” na conceituação de um objeto estético. Isso se aplica perfeitamente à cidade e à nossa forma de nos relacionarmos com ela. Abs, Lili
Tenho que discordar de você. Por mais filosófico que possa ser a definição de belo e do que é arte, o que se deve fazer, visto que o conceito de belo é subjetivo, é entender o porquê das pessoas acharem as cidades brasileiras feias. Um ponto que você abordou e acredito que seja relevante é o fato das Leis e regulamentações que não são respeitadas. O problema de nossas cidades não é apenas estético, mas também organização da cidade em si, falta planejar e seguir o planejamento urbano. Veja cidades de nossos países vizinhos. Na Argentina muitas cidades do interior são organizadas e planejadas.
Olá Marcel!
O texto é mais uma reflexão sobre um ponto de vista pessoal e, talvez, específico. Algumas pessoa também percebem questões controversas sobre meus argumentos, mas o texto tem caráter de levantar uma bola pra uma discussão. De qualquer maneira, obrigado pelo seu ponto, que é bem relevante também. Obrigado e um abraço!
São feias por causa da falta de livros em casas brasileiras, tentem perguntar para 1.000 pessoas da classe média quantos livros leram nos últimos dez anos e vão entender a alma e a estética do povo. Além disso, tem uma tolerância pela preguiça fora do comum.. O resultado são Cidades com casas e predios “caixotes” , sem harmonia e com telhado de zinco, pensadas para mentes pouco articuladas.
Eu moro em Roma e lógico que a cidade “histórica” é maravilhosa porque é histórica! Mas nos últimos tempos teve uma grande especulação mobiliária e invasão de terrenos e essas casas são horrorosas e não só em Roma mas em toda a Itália. Um turista não visita os bairros pobres de Roma mas o centro e alguns quarteirões mais ricos e eles lógico que são maravilhosos. Tem uma outra questão: Rima é uma das cidades mais sujas da Europa e o nível de lixo nas ruas é maior do que em muitas cidades brasileiras, e quando eu falo de lixo é lixo mesmo e não o papelzinho de balinha mas papel de bu*** mesmo.
Então eu acho que a feiúra vem da falta de cultura, de dinheiro, de máfia, de especulação, enfim a feiúra da humanidade mesmo. Hoje eu vejo que o brasileiro até melhorou muito porque não quer só uma caixa de cimento para morar com o quintal coberto de cimento, mas quer árvores,quer plantas, quer decoração com coisa bonitas mesmo sendo baratas, quer verde, enfim está melhorando e isso é o que importa, enquanto vejo que aqui na Europa vai piorando, muito vandalismo, sujeira, novos quarteirões horrorosos, árvores sendo derrubadas, enfim tudo é relativo e nem todo europeu é intelectual ou amante das artes como o brasileiro pensa.
eu gostaria de saber a opinião de vcs ( pessoas com mais bagagem e experiência sobre o assunto), o Brasil ainda tem jeito? Com jeito quero dizer, esperança de acabar com toda essa feiura. Apesar de como o autor pontuou sobre a beleza ser relativa, é indiscutível a inferioridade estética do Brasil urbano em relação a países ricos ou até vizinhos da américa do sul. Seria sonhar muito alto pensar em um brasil com pouquíssimas favelas e uma paisagem urbana tão bonita quanto de países europeus?