“Só ficou elefante branco, não ficou nada de bom.”
(Luis Fernando Pereira)
Hoje é dia de mais um episódio especial, preparatório para a UIA2021RIO EXPO. Vamos falar sobre Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social, a ATHIS. Mais do que entrarmos nas suas questões legais, abordaremos o tema a partir das experiências de dois grupos que atuam nesse segmento, estamos falando do Coletivo Arquitetos da Favela e da empresa ATOS Colaborativos.
A lei de assistência técnica é um instrumento de planejamento e transformação legal que poderia aproximar a prática de arquitetura e urbanismo das pessoas e dos lugares onde sua ausência é mais sentida: nos bairros em territórios fragilizados. Dessa forma, auxiliaria no acesso à moradia digna e orientaria melhores práticas para que os recursos fossem utilizados de forma eficaz e precisa.
Sancionada em 2008, a lei federal 11.888 é resultado direto do trabalho de Clóvis Ilgenfritz da Silva, pioneiro na defesa da Assistência Técnica pública e gratuita para as habitações de interesse social. Seu trabalho foi fundamental para orientar o foco da discussão sobre moradia para uma população desassistida por décadas. Mas, para que a aplicação da lei seja de fato efetiva, são necessárias as regulamentações municipais, prevendo-a na dinâmica de planejamento orçamentário e urbano das cidades. Basicamente a ATHIS se apoia em três grandes iniciativas, que é o diagnóstico participativo, a importância da capacitação no canteiro de obras e as estratégias para a viabilização financeira das ações. É fundamental que esse debate se torne prioritário na esfera acadêmica, através de projetos de pesquisa e extensão, para que novos métodos sejam desenvolvidos e convertidos em uma visão atualizada dos problemas urbanos que tangem as estruturas do habitar.
A arquiteta Ana Paula Luz, fundadora e coordenadora da Atos Colaborativos, conta que iniciou seus trabalhos pela vontade de oferecer à sociedade um trabalho qualificado, mas que também pudesse ser devidamente remunerada pelo seu ofício. Para isso, elaborou oficinas com estudantes, criando mais uma fonte de recurso para as obras, além dos investimentos de apoiadores locais. Os valores arrecadados eram destinados diretamente para as reformas, que tinham um processo minucioso de escolha das famílias a serem atendidas.
Representando o Coletivo Arquitetos da Favela, participaram do episódio o arquiteto Eric Alves Gallo, também co-fundador do Urbanistas nas Ruas, e o aluno Luis Fernando Gomes Pereira, estudante de arquitetura e urbanismo na Santa Úrsula, Rio de Janeiro. Ambos nos apresentaram um olhar diferente do “olhar estrangeiro” quando o assunto é atuar nas favelas, Luis Fernando descreve seu aprendizado do ponto de vista do morador, filtrando e transformando sua breve experiência acadêmica pela sua vivência cotidiana, e nos revela a imensa satisfação em compartilhar isso com os demais alunos no ambiente de ensino.
Do outro lado, ficou evidente que para atuar em uma realidade que não é a sua, a escuta ativa se torna fundamental para a compreensão dos problemas, dos desejos e dos anseios de uma população sem acesso aos seus direitos básicos constitucionais. A construção de um olhar técnico renovado só é possível a partir da consolidação de novos processos de ensino e aprendizado em arquitetura no Brasil. As estruturas curriculares atuais, que foram sedimentadas pela cultura de um saber técnico secular, não devem ser descartadas em busca de uma nova ordem, claro, mas poderiam ser transmutadas por práticas advindas da colaboração, empatia e inovação. Eric Gallo enfatiza a necessidade de uma comunicação que alcance outros grupos, para além da “bolha” dos estudantes e profissionais já interessados em ATHIS.
Esse movimento exigirá a inserção de novos propósitos para a prática da assistência técnica, que talvez possam ser revelados pela potência econômica que é o mercado da construção que diariamente opera nessas localidades, ou mesmo que a ATHIS estimule novos modelos de negócios, da profissionalização da mão de obra até programas de financiamento específico para esse segmento, com aliados da indústria da construção civil. Sem dúvida há grandes oportunidades para que a assistência técnica extrapole seus objetivos primários, claro, sem perder de vista a ideia de vivermos em cidades mais justas.
Esperamos que a experiência do Congresso UIA2021RIO possa trazer muitas reflexões, através dos olhares externos dos convidados e palestrantes com experiências de grande valor, assim como proporcionar o despertar para a importância de um olhar imerso na vivência cotidiana dessas localidades, culminando em uma grande revisão do papel da Arquitetura e Urbanismo no Brasil para esse novo milênio. Não deixe de ouvir aqui no link, e até a próxima!
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